quarta-feira, 30 de julho de 2008

Enquanto a terra gira

Primeira experiência com star trails, muito a aprender


Star trails é um efeito em fotografia conseguido ao se apontar a câmera para as estrelas à noite, apertar o botão e deixar o obturador aberto por muito tempo, de meia hora a várias horas. Como nesse intervalo a terra continua girando, a câmera registra um rastro de estrelas no céu. Daí o nome em inglês. Parece efeito de Photoshop, mas é até melhor conseguido com câmera de filme, já que ela tem de ficar ligada muito tempo e as digitais consomem muito mais energia.

Quatro da manhã. O despertador do celular põe fim a quatro horas de sono. Banho rápido e troca de roupa para enfrentar uma das madrugadas mais frias do ano. Já na rodoviária de Bauru, o vento implacável não deu trégua até embarque e o refúgio no conforto da poltrona. Cinco horas, o ônibus parte para São Paulo. Na parada do café no Rodoserv, frio ainda mais intenso. Para combatê-lo e espantar o sono, um expresso bem forte.

No desembarque, já depois das dez horas, o frio estava passando e o sono deu lugar à pressa de pegar o metrô para o Anhangabaú. Algumas escadas depois do desembarque na estação, a Sete de Abril estava bem à frente, calma para um sábado de manhã.

E na primeira loja:
- Moça, vocês têm o controle remoto da D40X?
- Não, acho que você não vai encontrar nas lojas aqui da Sete de Abril.
- Não? E onde eu encontro então?
- É melhor você ir à T. Tanaka.
- E como que eu chego lá?
- Pergunta pro rapaz ali que ele sabe, - respondeu a moça, apontando para a loja em frente.

De pé, na tranqüilidade daquele sábado, o homem conversava com um amigo em frente à sua lojinha.
- Moço, como que eu faço para chegar à T. Tanaka?
- Ah, é fácil. É só pegar o metrô para a Santa Cecília. Fica na Martin Francisco - respondeu sorrindo.
- Obrigado, tenho que ir lá correndo.

Meia volta e três passos depois, ele chamou, calmo.
- Colega, só tem uma coisa. Você vai ter que ir lá na segunda-feira. O Tanaka não abre sábado.

Praticamente senti o chão se abrir sob meus pés.

- Como é que é?!
- O Tanaka está fechado hoje. Agora só na segunda.

O problema é que eu não podia esperar até segunda-feira. Já estava até com a passagem comprada para voltar a Bauru naquela mesma noite. E assim que voltasse teria pouco tempo para aprontar tudo e sair em uma longa viagem até Rondônia. E pelo jeito teria que fazer isso sem levar o que eu mais queria comprar em Sampa.

O controle remoto da câmera me permitiria tempos de exposição maiores, bem maiores, que os 30 segundos programáveis sem ele. Portanto ele me permitiria experimentar alguns star trails no meio da selva amazônica, ainda que com uma câmera digital.

Ainda meio atordoado, agradeci ao homem e decidi tentar a sorte em cada uma das lojinhas de produtos fotográficos restantes na Sete de Abril e na Conselheiro Crispiniano antes de desistir.

Na próxima loja, uma bela morena me atendeu. - Moça, vocês têm aqui o controle remoto da D40X?
- Nâo, infelizmente não temos.

Quando eu virei de costas, ela chamou. - Mas eu sei onde você pode encontrar.
- Onde?!
- Na T. Tanaka com certeza você encontra.
- Ah, sim. Claro. Obrigado...

A coisa estava mesmo difícil. Mas, finalmente, na quinta loja:
- Não, não temos. Só na T. Tanaka. Mas hoje não abre. Vá lá na segunda.
- Ok...
- Hum, espera – chamou o sorridente rapaz loiro da cara engraçada. - Deixa eu ver uma coisa. É da Nikon que você quer, né?
- Sim.

Depois de dois minutos revirando umas caixas no fundo da loja, ele voltou com algo nas mãos. - Acho que tem um aqui ainda, só não sei se está com bateria.

Diante dos meus olhos, estava finalmente o que eu esperara quase seis meses para comprar, resistindo à tentação de fazer uma dúbia compra pela internet ou pagar quase o dobro para fazer o pedido em Bauru mesmo.

Depois de o vendedor colocar a bateria, testei o brinquedinho, que apesar do elevado preço, nada tinha além de um botão a ser apontado para a câmera e pressionado. Mas ele permitiria disparar a SRL à distância e com a importante opção de tempos de exposição maiores. Minhas star trails estavam salvas.

Comprei também alguns cartões de memória e filtros para lente e fui passear no centro. Não resisti à tentação de testar o material, menos o controle remoto, que teria pouca utilidade para fotos com luz do sol. Em seguida almocei por lá mesmo e à tarde voltei ao terminal da Barra Funda para pegar o ônibus de volta.

Assim que coloquei os pés de novo em Bauru, percebi o estrago que o vento frio e o ar condicionado do ônibus haviam feito. Já desci gripado e febril. Mas com a promessa de star trails amazônicas quando fosse para Rondônia. Naquela noite, dormi com enxaqueca e sonhei com estrelas.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Estrada de ferro

Caminho com obstáculos




Foi legal fazer essa foto. Eu quis mostrar a formiguinha sobre uma velha cerca de ferro enferrujada de uma forma diferente. Procurei captar a perspectiva de mundo da própria formiga. Para ela, a cerca serve de estrada, e com direito a obstáculos, como o pequeno ramo seco caprichosamente enrolado no “caminho”.

A opção de não fotografar a cena de cima, como pareceria mais óbvio considerando o modo como vemos as formigas no dia-a-dia, ajudou a dar a essa impressão de visão de mundo da formiga.

O ângulo de incidência da luz é importante na fotografia, assim como os elementos de fundo. Neste caso, a luz do final da tarde, alaranjada, determinou as tonalidades predominantes. No fundo, céu e mata, desfocados pela opção de maior abertura do obturador, tornam cenário menos naturalista e mais peculiar.

Mas fotografar a cena com uma objetiva 18-55 mm, que não é a mais adequada para macrofotografia, não foi tão fácil. O foco automático não era o ideal devido à proximidade do sujeito da foto e ao fato de este mover-se. O foco escapava do tema, a poucos centímetros da lente, para as árvores, dezenas de metros atrás. O jeito foi mudar para manual.

Para “congelar” o movimento da formiga, o tempo de exposição foi pequeno (1/600 seg.). E para compensar o pouco tempo de luz que entrou para gravar a foto, o ISO (sensibilidade) do sensor, que na câmera usada vai de ISO a 100 a 1600, foi colocado no máximo.

Ultimamente, tenho produzido fotos caracterizadas pelo que chamo de “colorido minimalista”, ou seja, predomínio de duas tonalidades bem distintas. É o caso do vermelho-ferrugem e do azul celeste dessa foto.

Às vezes me pergunto se eu não estaria na verdade tentando fazer fotos em preto e branco sem me dar conta. Mas acho que não. Quando experimento tirar a cor dessas fotos no computador, elas não ficam como eu queria.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Che Guevara ainda é útil

Para salvar Ingrid Betancourt


Você já viu a foto. É uma das mais famosas do mundo. Mostra o guerrilheiro argentino Ernesto “Che” Guevara de boina, com olhar distante. Ficou conhecida como “Guerrillero Heroico”.

A imagem foi captada pelo fotógrafo cubano Alberto Díaz Gutiérrez, mais conhecido como Alberto Korda, em março de 1960 em Havana, durante evento em homenagem às vítimas de uma explosão. Mas só ficou conhecida anos depois. Virou ícone de jovens socialistas mundo afora depois que o Che foi capturado e morto na Bolívia.

2 de Julho de 2008. Após enganar os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, conhecidas como FARC, infiltrando agentes na organização, o exército colombiano libertou a ex-candidata a presidente Ingrid Betancourt, três norte-americanos e 11 soldados colombianos, reféns que eram cativos dos guerrilheiros há anos na selva.

Um detalhe me chamou atenção quando relatos do resgate começaram a surgir. Foi o uso de camisetas estampadas com a foto de Guevara pelos agentes colombianos que se fizeram passar por membros de uma organização humanitária simpática aos guerrilheiros. A própria Ingrid Betancourt citou a indumentária dos agentes em entrevistas.

O fato de camisetas com a foto “Guerrillero Heroico” terem sido usadas para iludir as FARC é de uma ironia tão grande que causa espanto que isso tenha passado despercebido por jornalistas e intelectuais conhecedores dos movimentos de esquerda na América Latina.

O episódio mostra que a foto de Korda, mais do que peça ideológica -- ou até mitológica, como querem alguns -- é uma eficaz ferramenta de marketing. Funciona tão bem que pôde ser usada com astúcia para vender gato por lebre a rebeldes que vagem pela floresta há décadas combatendo o capitalismo.

Fadada a ser tema de livros, documentários e filmes pelo grau de inteligência e ousadia com que foi realizada, a operação bem sucedida do exército colombiano é o melhor uso já imaginado para a famosa foto de Che Guevara feita por Alberto Korda. E prova que, ao contrário do que muitos pensavam, o Che e a foto de Korda ainda podem ser úteis.