segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Adolf x Michael

A Inglaterra ainda travava uma renhida guerra quando o garoto Michael Philip nasceu em 1943. Seu poderoso inimigo estava logo ao lado, no continente, liderado por um certo Adolf, que a essa altura já via maus augúrios para sua campanha bélica, que de fato se encerraria com derrota uma derrota incondicional dois anos depois.

Dez anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, "Rock around the clock", por muitos considerado o primeiro o rock n'roll a ser registrado em uma gravação, já podia ser ouvido nos EUA. E vinte anos após o fim da quimera de dominação da Europa à base da força de Hitler, o riff de Satisfaction, dos Rolling Stones, já embalava festas. E a imagem do rebolativo vocalista da banda podia ser vista na televisão que se popularizava mundo afora.

Que século foi esse, o vigésimo da era cristã, que nos deu, em um intervalo de tempo tão curto entre uns e outros, os discursos raivosos de Adolf Hitler e os rebolados de Michael Philip (também chamado de Mick) Jagger? Como figuras tão díspares entre si conseguiam empolgar multidões na Europa ocidental e no exterior?

Poderíamos dizer que foi porque, no século XX, o mundo despertou para a comunicação de massas. Surgiram e se popularizaram o rádio, o cinema e a televisão. Hitler utilizou-se dos dois primeiros. Os Stones, dos três. Poderíamos dizer que os governos e os grandes grupos financeiros e industriais souberam tirar proveito desses novos veículos para cooptar as massas. Mas não seria suficiente.

O que viria a fazer diferença no século da ciência e da barbárie em escala industrial seria o que fez diferença em tempos anteriores. Mais do que o século da comunicação em massa, o século passado foi o século daqueles que souberam tirar proveito do momento que viviam. E era o momento de quem sabia se comunicar com as massas. Comunicar-se no sentido mais terrível da palavra. No século XX, como em todos os outros, fez a diferença quem pôde e soube tirar proveito do momento.

Alguns argumentarão que foi o tempo dos que sabiam manipular as massas. Mas manipular seria a palavra certa? Não. As massas não se manipulam cegamente. Elas concordam. Há uma cumplicidade tácita da massa com quem teoricamente as seduz e/ou "engana". Comunicação é interação. Você precisa processar o que ouve e vê, e você também tem preconceitos e, eventualmente, idéias não muito nobres até então quietas, à espreita, nas sombras do seu íntimo.

O que é conviniente paras as massas? Discursos em tom enfático que aglutinam em frases de efeito, impressões antes dispersas que despertam ódio, fúria ou esperança? Músicas debochadas que servem não apenas para a diversão mecânica dos sentidos, mas também convidam à cumplicidade da rebeldia contra a odem estabelecida?

Hitler e os Stones na verdade não propuseram nada de novo. Apenas apresentaram ao público algo que já estava subjacente, mas que até então ninguém assumira abertamente em sua plenitude, e pagaram para ver. Quando Hitler subiu ao poder, o fascismo não precisava ser inventado, ele já existia, bastou levá-lo a extremos. Quando os Stones começaram a compor, o rock n'roll já existia, bastou deixá-lo mais debochado.

O ânimo para a guerra e para a sublevação contra as convenções sociais já existia. Ainda existe. Quem serão os Adolfs e Michaels do século XXI? O que há de novo no íntimo de cada sombra na multidão que os ouvirá?

Um comentário:

Giul Martins disse...

No século XXI não sei quanto a Adolfs, mas acredito que Michael há um Jagger.